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Fenae fala sobre fim de política de Estado reconhecida mundialmente: o Bolsa Família, criado há 19 anos


24/10/2022

 

 No Brasil, a população empobrecida tem urgência na retomada dos instrumentos do Estado para indução do desenvolvimento econômico soberano, com distribuição de renda e proteção ambiental, reduzindo as desigualdades sociais e regionais. Essa tarefa de importância histórica foi, entre os anos de 2003 e 2021, cumprida com sucesso pelo Bolsa Família, maior programa de transferência de renda condicionada do mundo e com histórico de benefícios para a economia do país.

 
Lançado por medida provisória em 20 de outubro de 2003 pelo então governo federal, o Bolsa Família foi transformado em lei no ano seguinte [2004], unificando os programas existentes àquela época, a exemplo do Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás e Programa Nacional de Acesso à Alimentação. A partir de então, foi feito o aumento gradativo do valor recebido pelas famílias ao longo do tempo.
 
A migração de beneficiários dos demais programas para o Bolsa Família provocou aumento da cobertura de transferência de renda para famílias que ainda não recebiam algum benefício por meio de um sistema denominado Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Resultado disso foi a assinatura dos termos de adesão com os municípios, trazendo, em consequência, transversalidade ao programa e mais autonomia às cidades.
 
No formato original, o Bolsa Família contribuiu para os avanços de todos os indicadores, além de ter dado autonomia às mulheres, que recebiam o dinheiro. O programa, ao atuar como política de Estado reconhecida internacionalmente pelo seu alcance social, proporcionou comida, roupas, itens de higiene e conta de luz paga, no curto prazo, a milhões de brasileiros, antes excluídos do mercado de consumo, ocupando-se em seguida da educação, do emprego, da renda estável e da superação da pobreza e da miséria.
 
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que, de cada R$ 10 investidos no programa, havia o registro de crescimento de R$ 1,78 na atividade econômica, ao custo de apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Foram mais de 18 anos de ganhos fundamentais na mobilização contra a desigualdade social e econômica.
 
Isto porque o Bolsa Família, aliado a fatores como geração de 21 milhões de empregos até 2016, aumento real de 71,5% do salário-mínimo, redução do trabalho infantil, queda da mortalidade infantil, produção recorde de alimentos e merenda escolar distribuída a 43 milhões de crianças e jovens, levou o Brasil a conquistar pela primeira vez a saída do Mapa Mundial da Fome, ferramenta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) que pontua os países com acesso adequado aos alimentos saudáveis.
 
No período em que esteve em operação, o Bolsa Família manteve um contingente de 36 milhões de cidadãos brasileiros fora do radar da extrema pobreza. O benefício de R$ 190 em média [valor nominal da época, sem correção monetária] era pago a mais de 13 milhões de famílias cadastradas. Tudo era estruturado com base no princípio de que ninguém fica rico com o programa, tampouco pára de trabalhar, mas todos ganham muito, e não apenas os beneficiários diretos.
 
“Para mais proteção social, o caminho é mais Bolsa Família”, crava o presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Sergio Takemoto. Segundo ele, programas de transferência de renda têm ligação direta com políticas de inclusão cidadã abrangentes e democráticas.
 
RESULTADOS — Os resultados do programa vão além da distribuição de renda e apontam para impactos multisetoriais positivos. No portfólio do Bolsa Família estão 3,4 milhões de pessoas que saíram do patamar da extrema pobreza, redução de 16% da mortalidade infantil ou entre 26% e 28% nas famílias com mães negras, aumento da participação escolar feminina, redução de 9% da desigualdade regional, melhora dos indicadores de insegurança alimentar, efeito multiplicador do PIB (cada R$ 1 gasto com o programa, o impacto na riqueza produzida no país era significativo) e queda da fecundidade de mulheres, sem algum crescimento da fertilidade na tentativa de aumentar o benefício.
 
No âmbito do Bolsa Família, segundo estudo do [então] Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, os motivos da queda da fecundidade de mulheres eram o maior acesso à informação sobre os métodos contraceptivos e sobre a sexualidade, o aumento da escolaridade da mulher jovem e a ampliação da urbanização, com acesso aos serviços médicos. Das três milhões de famílias atendidas inicialmente, o programa alcançou 14 milhões de famílias em 2015 e 13,2 milhões, em 2020.
 
Esses números, mais do que mil palavras, provam que o Bolsa Família foi uma etapa importante na construção da renda básica no Brasil, sendo parte complementar da rede de proteção social. Como a renda básica é um colchão que integra as políticas públicas, um projeto de reconstrução nacional requer mais saúde, mais educação e mais acesso à assistência e proteção social ampla, com aposentadoria, seguridade social, legislação trabalhista e formalização do trabalho, na perspectiva de uma política econômica orientada para a promoção do emprego e da renda e da ampliação dos investimentos públicos.
 
O mecanismo de transferência de recursos do Bolsa Família para as famílias mais pobres condicionava o beneficiário a manter as crianças vacinadas e na escola, além de promover o acompanhamento das gestantes. As exigências de condicionalidades, traduzidas na contrapartida do beneficiário, previam que crianças em idade escolar apresentassem 85% de frequência, com manutenção também dos cartões de vacinação em dia.
 
O Bolsa Família estava acompanhado de outros programas de igual relevância, como era o caso do Minha Casa Minha Vida, recordista histórico na construção de moradias populares. O foco não era apenas um dinheiro de auxílio para necessidades emergenciais, mas havia todo um aparato de melhoria das condições de vida da população, com vistas a quebrar uma tendência geracional à miséria a partir da alimentação, da atenção a necessidades básicas e de projetos públicos de infraestrutura, com acesso à moradia, ensino e atendimento médico-hospitalar.
 
Chama a atenção ainda a nomeação da Caixa na condição de agente operador do programa de transferência de renda, tarefa que em 2022 passa a ser dividida com outras instituições financeiras federais, sobretudo privadas. Sergio Takemoto contesta a nova metodologia de operacionalização do Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, e denuncia que a medida representa mais uma forma do atual governo promover o esvaziamento do papel social do banco público, o único 100% do país.
 
Em defesa do Bolsa Família, o presidente da Fenae enumera duas questões fundamentais para reforçar a luta de combate à fome e de recuperação de direitos suprimidos, com distribuição de renda e inclusão social: população em situação de vulnerabilidade receber proteção social do Estado e retorno da Caixa como operadora de políticas públicas que viabilizem a redução das desigualdades econômicas, sociais e regionais.
 
O que será da população vulnerável a partir da extinção de um programa de transferência de renda consolidado como o maior e mais bem-sucedido do mundo e que se mostrou fundamental nas últimas décadas? O questionamento refere-se ao Bolsa Família, programa de referência mundial em políticas públicas e que dá ênfase para a construção eficiente de políticas sociais, executadas por municípios em parceria com toda uma rede de assistência e proteção social.
 
CASUÍSMO ELEITOREIRO — Comparado ao Bolsa Família, o Auxílio Brasil representa um retrocesso histórico por corroer a rede de proteção social do país, na opinião de especialistas. O novo programa surgiu em 29 de dezembro de 2021, quando o atual governo extinguiu o Bolsa Família, estando previsto para vigorar até o próximo mês de dezembro — pouco mais de um mês após as eleições presidenciais —numa manobra que está sendo caracterizada como casuísmo eleitoral.
 
Uma das principais diferenças com o Bolsa Família, conforme consta da chamada “PEC dos Precatórios” (MP 1.061/2021), que instituiu o programa do atual governo, é que o Auxílio Brasil não está articulado ao Sistema Único de Assistência Social (Suas), responsável por organizar e permitir a gestão compartilhada de todos os programas governamentais que compõem a rede de políticas públicas e sociais. Na prática, a ausência de articulação significa o fim das premissas sociais do Bolsa Família.
 
Falta ainda ao Auxílio Brasil uma definição exata sobre a fonte fixa de recursos orçamentários para sua execução. Essa ação governamental deve terminar no fim deste ano e, até o momento, não existe algum planejamento para os anos seguintes. Foi implementado sem previsão fiscal e orçamentária e sem avaliação de impacto, faltando prever quais benefícios irá trazer para a população mais pobre.
 
Pesa ainda contra o Auxílio Brasil o fato de constituir-se como um programa de mera transferência de dinheiro, diferentemente do anterior — o Bolsa Família, que propunha ações socioassistenciais para os beneficiários, atuando como um programa de transferência condicionada de renda.
 
No caso do Auxílio Brasil, a avaliação da Fenae é de que o novo programa de transferência de renda reflete a falta de compromisso do atual governo com o social, representando também o desmonte de uma importante política de inclusão social, que beneficiou milhões de brasileiros durante quase duas décadas e teve a participação dos empregados da Caixa, operadora do Bolsa Família. A Fenae defende que o atendimento à população em situação de vulnerabilidade seja ampliado.
 
Este ano, diante de uma conjuntura econômica em ritmo lento e aumento da pobreza em ritmo acelerado, o registro é de 14 milhões de brasileiros que se somam a outros 19 milhões que já sobreviviam em situação de fome no país. São 33 milhões de pessoas sem ter o que comer e mais da metade da população com algum grau de insegurança alimentar, segundo relatório da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
 
Alheio a esse cenário de abandono econômico e social da população mais pobre, o atual governo acaba com o Bolsa Família e o substitui pelo Auxílio Brasil, que distribuirá benefícios apenas até o fim deste ano, sem que o novo programa esteja articulado com uma mudança de estratégia na política econômica e nas políticas sociais.
 
O novo programa recebe críticas ainda por não ser permanente e ter caráter exclusivamente monetário. Significa que, diferentemente do Bolsa Família, o Auxílio Brasil deixou de ser um programa de Estado para se converter apenas em um trunfo eleitoreiro.
 
 
Fonte:  Assessoria de Imprensa Fenae - 21/10/2022
 
 
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